domingo, setembro 30, 2007

# 011

...com meu lápis
não soube desenhar
nem camelo nem leão,
mas ovelha e gato

(e um novelo de lã
que é quase
um ninho)

- transformações
de espírito domesticado


"
(...)
El niño es inocencia y olvido, un nuevo comenzar, un juego, una reuda que gira sobre sí, un primer movimiento, una santa afirmación.
Sí: para el juego de la creación, hermanos míos, hace falta una santa afirmación: el espíritu quiere ahora su voluntad, el que ha perdido el mundo quiere ganarse su mundo.
Tres transformaciones del espíritu os he mencionado: de cómo el espíritu se trocaba en camello, y el camello en león, y el león, finalmente en niño.
Así hablaba Zaratustra.
(...)
"

segunda-feira, setembro 24, 2007

# 010

- Seu filho?!!
- É, o caçula.
O mais novo, cansado, abrindo a porta.
- Tá estudando?! Tem que estudar!!!
Com o giro da chave, abriu os olhos.
- Oi, Salim...
...estende a mão, na trégua de orações cruzadas.
- Casa fica! Dinheiro fica! Com estudo te respeitam, te dão trabalho!
Profeta, com sotaque de areia. Ao invés de Cruzada, faz cócegas na barriga.
- Seu pai trabalhador! Trabalhou muito pra você estudar... o pai dele também!
Cantava sem dentes, num quase árabe. O pai empurrou a porta, olhando pra dentro. Nesse abrir, ele o enxergou como há muito não via: profecia de um passado (lembrança do pai).
- Tchau, primo!
Despediu-se primeiro, já no oriente médio da rua. As duas gerações se olharam num credo, enquanto passavam pela porta em silêncio.
Nesse canto, há lá o que se lembra
e o homem não esquece.

# 009

...olhou indiferente,
cheirou o mesmo cheiro

- Mas não viu que cortei o cabelo?

...continuou em repouso,
na sabedoria dos gatos.

quinta-feira, setembro 20, 2007

# 008

O primeiro
tá sempre lá atrás
quando ninguém nem sabe.
Surge
no existir de começo.
De primeiro, é um.
De um tempo tanto depois
já é mais que sete...
mas isso é só continuidade
sem fim.
(...que nem o tudo
que tá por trás
do início)

# 007

"
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
(...)
"

Manoel de Barros
em Memórias Inventadas

segunda-feira, setembro 17, 2007

# 006

- Qual o nome dela?
- Não sei ainda...
- ...que tal Nina?
Miudinha, ronronava no peito com coração acelerado
- Pergunta pra ela...
- Miouuuu! - num bocejo de quem acaba de mamar.
A miúda seguiu com ela no colo, pensando se tinha gostado do nome. Sentou na rede e começou a balançar. No gancho, o metal rangia, num movimento de vai-e-vém: "Miou-Niná, Miou-Niná, Miou-Niná...". Parou no meio ao perceber o som. No silêncio, disse pra ela:
- Já sei! É Miounina!

domingo, setembro 16, 2007

# 005

- Não me olhe assim...

Denso, o ar nos separava,
porque não mais envolvia
...já era visível isso,
o que não era pra ser
... e ela

sábado, setembro 15, 2007

# 004

"
(...)
Eu não queria ser doutor, eu só queria ser fraseador. Meu irmão insistiu: Mas se fraseador não bota mantimento em casa, nós temos que botar uma enxada na mão desse menino pra ele deixar de variar. A mãe baixou a cabeça um pouco mais. O pai continuou meio vago. Mas não botou enxada.
"

Manoel de Barros
em Memórias Inventadas

quinta-feira, setembro 13, 2007

# 003

É sempre visceral o que conduz...
...por mais que eu me envolva
com os argumentos da cabeça,
é na barriga que sinto
se estou pensando certo
(o meu destino)

segunda-feira, setembro 10, 2007

# 002

- Mãe, tô co'a barriga doce!
Yiá secou as gota'sal d'olho amarelo.
Olho d'água tava seco já fazia muito.
- Por quê, minino?
- Comi muito - lambia seco a patinha do tiú.
Terra em que sol chovia só, reptil era banquete.
E o menino repi'tiu.
Com muito do pouco, ele já tava doce.
A'margura num tava nele,
só n'olho amarelo
do sol vermelho da idade.